"Feitiços
são feitos no coração, o resto é ilusão." (Aline Maat)
Em novembro
de 2013, participei do Ritual de Devoção de uma amiga minha, em São Paulo. Durante
um momento de isolamento e purificação, ela viu (em sua tela mental) uma “trilha”
e algumas coisas que distraiam sua atenção nas laterais desse caminho. Então,
uma voz interna disse para ela manter o foco na caminhada e esquecer os
excessos (que era aquilo que a desviava da sua trilha, do seu objetivo).
Nessa época,
eu estava numa busca frenética por um novo caminho espiritual, pois e precisava encontrar uma senda através da qual eu
expressasse a minha essência. Até que, em meu último encontro com a Ayahuasca,
em busca de mais respostas, resolvi perguntar como eu poderia seguir a minha
espiritualidade, o que eu deveria fazer, qual era a minha jornada. A mensagem
que recebi foi um pouco frustrante, pois dizia que eu já tinha respostas demais
(!), que era pra eu viver as respostas que eu já tinha e deixar as perguntas de
lado. Foi aí que eu entendi que estava complicando coisas que eram muito
simples.
Então,
lembrei-me da vivência de minha amiga e tive um insight, o qual me mostrara que
aqueles excessos de seu caminho eram os símbolos, os deuses, os mitos, os
rituais, as orações, as datas comemorativas, os padrões, os sistemas mágicos
hipermegaultramax complexos que adornam o simples, a ponto de esconder esse
essencial de nós.
Antigamente,
eu entrava na chuva para descarregar minhas tristezas, para me purificar; eu
seguia a minha intuição para enxergar os caminhos que eu precisava escolher; eu
obtinha respostas através de sonhos; eu subia "montanhas" até as
pernas ficarem “bambas”, só para chegar ao topo e sentir a brisa me tocar e ter
uma visão mais ampla de tudo, poder ouvir o silêncio da Natureza e me aventurar
na Mata fechada. E como tudo isso me fazia sentir mais conectada com a minha
espiritualidade! Com o passar do tempo, me senti como uma freira enclausurada
num convento, repetindo palavras e mais palavras durante horas, acendendo uma
velinha aqui, outra ali, criando rituais complexos, tendo de memorizar uma
pilha de conhecimentos com o propósito de "saber mais para passar
adiante", e, assim, a minha espiritualidade só foi minguando dentro de
mim.
Foi aí que
eu comecei a querer entender o que existia por baixo desse aglomerado de
informações e simbologias (pois isso já não fazia muito sentido pra mim), e
entender realmente o que é a espiritualidade.
Desmembrando
essa palavra, concluí que espiritualidade é o contato com o espiritual. E o que
é o espiritual? É aquilo que vem do espírito. E o que vem do espírito? Bom, o
que vem da matéria (o material) pode ser mais fácil de se entender: o trabalho,
dinheiro, fome, lazer, comida, esforço físico, uma casa, um presente, o ato
sexual, e etc, são coisas que vêm da matéria. Já o amor, ódio, a coragem,
alegria, tristeza, o perdão, a paz, medo, e etc, são coisas que vêm do
espírito, o abstrato que, unido à matéria, gera, cria, transforma. A polaridade
é algo existente em toda a Natureza (dia/noite, inverno/verão), em todo o
Universo, assim como no âmbito espiritual (alegria/tristeza, dor/prazer).
Muitas vezes
ouvimos frases como: “Ela tem um bom estado de espírito”, ou seja, ela
encontrou harmonia em seu próprio espírito, está bem consigo mesma. Isso mostra
que para se viver bem na matéria é necessário encontrar um ponto de equilíbrio
em nossa polaridade interna, no nosso espírito. Mas as pessoas acreditam que buscar
a espiritualidade é estar condicionado a padrões religiosos, como se a busca
fosse externa, de fora para dentro e não de dentro para fora, como se, para
buscar o que vem do espírito, seria necessário seguir um caminho criado,
estruturado e padronizado, repleto de dogmas; “verdades absolutas”.
Foi então
que descobri que não preciso necessariamente ir a um templo, cultuar um deus,
não preciso necessariamente de uma religião para viver bem. Entendi que as
respostas que eu já possuo são as que eu preciso para viver bem, e esse viver
bem é a minha espiritualidade. Claro que não vou criar o padrão de viver fora
dos padrões. Se eu sentir vontade de fazer um ritual ou qualquer outra prática religiosa,
não vou me limitar e deixar de fazê-la. Só que, no momento, eu entendo que os padrões
religiosos são apenas auxiliares, que o mais importante está dentro de nós,
está em nosso comportamento, em nossos pensamentos e em nossas emoções, e que muitas
pessoas seguem esses padrões e deixam o mais importante de lado (que está no
comportamento e no dia a dia).
De que
adianta ter o conhecimento sobre como se fazer aquele mega ritual de banimento,
se lá no íntimo eu não consigo resolver a raiva, a mágoa e a decepção que me
mantêm vinculada à determinada pessoa/situação para a qual o ritual foi
direcionado? De quê adianta fazer um mega ritual de amor se eu não consigo me
conectar nem mesmo ao meu amor-próprio? Por isso, eu digo: feitiços são feitos
no coração, o resto é ilusão.
De uns
tempos pra cá, tenho simplificado a forma de me conectar ao espiritual, o que
me ajudou bastante a resgatar o meu elo com o Outro Mundo. Voltei a tomar meus banhos
de chuva com um outro olhar; um simples contato que tive com as “montanhas” da
Lapinha da Serra foi um dos rituais mais profundos que tive na vida, sem a
necessidade de todos esses excessos simbólicos. Na verdade, eu penso que uma
liturgia sagrada, repleta de objetos, mantras e simbolismo, é apenas um
mecanismo que o homem inventou para acreditar que sua própria energia
espiritual foi projetada e semeada no solo criativo do Universo. Não é uma vela,
um caldeirão, um incenso, ou uma estátua que movimenta seu desejo rumo à
realização, mas, sim, o contrário: você é quem faz esse movimento com o auxílio
desses objetos, e pode perfeitamente fazê-lo sem tais utensílios. Certas crenças dizem que um determinado
símbolo serve para “isso”, mas outra crença diz que esse mesmo símbolo serve
para “aquilo”. E o que você sente? Já parou pra sentir o que tal símbolo emite
ao seu ser? Pois se não existe verdade universal, então cada um tem a própria
verdade que funciona pra si. Daí a gente pega um bando de conhecimentos da Índia, do Egito, da Irlanda, e esquece de acessar o que o nosso espírito sente
em relação àquilo, fazendo com que a prática espiritual seja mecânica e
superficial; sem sentido. Não estou dizendo que sou contra isso, mesmo porque eu ainda me identifico com certos costumes religiosos e os coloco em prática. A questão que falo aqui é não complicar esse percurso rumo àquilo que já está em nosso espírito.
Dalai Lama: “Como dizem os antigos, os tempos
mudam e as pessoas mudam com ele. O que ontem foi espiritualidade hoje não
precisa mais ser. O que em geral se chama de espiritualidade é apenas a
lembrança de antigos caminhos e métodos religiosos.”
Quando
invocamos um Anjo, um Santo, uma Deusa, um Espírito da Natureza (etc...) para
pedir uma determinada energia, esses Seres nos ajudam a liberar a energia que
já temos em nós. Ou seja, nenhuma Entidade/Deidade nos dá o que
queremos/precisamos, pois tudo o que necessitamos para o Bem-Viver está em
nosso interior! Viver bem é a espiritualidade essencial; acreditar em si mesmo,
amar a si mesmo é um poder que torna tudo isso realidade. Viver bem, no fundo,
é o que todos os religiosos buscam, mas por vezes isso fica meio camuflado por
trás da obrigação de louvar uma Deidade, por trás de atitudes baseadas na
crença de que “Deus/Deusa quer isso e aquilo de nós”; e por fim, fazemos tudo o
que nossa religião nos pede, menos o simples e essencial ato de fluir, de estar
em harmonia consigo mesmo, com a Vida. Complicamos nosso contato com o espírito
e deixamos de vivenciá-lo no cotidiano, nas coisas mais simples do dia a dia,
no “ser”.
Contudo,
percebi que, se a Natureza é algo que me remete à pureza, é algo que me ensina
e me coloca em contato com a minha essência espiritual, então eu não preciso
seguir um padrão religioso ou até mesmo criar esse padrão. Olhar para a Lua
Cheia, me abrir de coração para conversar com ela, pode ser muito mais profundo
do que um Ritual de Plenilúnio repleto de objetos e invocações memorizadas.
Estou vivendo movimentos internos tão fortes e significativos, que celebrar
Beltane (por exemplo) com todas aquelas fitas coloridas, com todos os adornos,
com todo seu simbolismo já não tem mais tanto efeito sobre mim. Não que isso seja bom
ou ruim, simplesmente não é mais algo que tem importância dentro daquilo que me
conecta com meu espírito e com o espírito do Universo. Além disso, esse
movimento me faz querer me conectar com algo maior, algo mais expansivo, menos
específico, mais natural, sem tantas divisões estabelecidas por panteões,
etnias, sem todo aquele separativismo. E nada mais universal que a Natureza!
Ela nos ensina, dia após dia, a forma mais simples e essencial de se viver bem.
Termino
esse texto, então, com outra fala de Dalai Lama sobre o assunto: "A
espiritualidade não é monopólio das religiões, nem dos caminhos espirituais
codificados. A espiritualidade é uma dimensão de cada ser humano. Essa dimensão
espiritual que cada um de nós tem se revela pela capacidade de diálogo consigo
mesmo e com o próprio coração, se traduz pelo amor, pela sensibilidade, pela
compaixão, pela escuta do outro, pela responsabilidade e pelo cuidado como atitude fundamental".
OBS: Quero
deixar claro que, por saber que cada um tem seu próprio caminho, sua maneira de
se conectar, sua crença e seu ritmo, o que escrevo aqui diz respeito a mim, à
minha visão, ao que funciona ou não para mim. De nenhuma maneira tenho a
intenção de desrespeitar a crença e as escolhas do outro que vive diferente de
mim. Escrevo este texto para compartilhar minhas descobertas, meus
esclarecimentos, e quem sabe isso possa auxiliar outras pessoas que estejam
numa vivência semelhante à minha.